Jaguar, fundador de O Pasquim, morre aos 93 no Rio

Jaguar, fundador de O Pasquim, morre aos 93 no Rio

Jaguar, fundador de O Pasquim, morre aos 93 no Rio
25/08

O adeus a um gigante do humor brasileiro

Morreu no Rio de Janeiro, aos 93 anos, o cartunista Jaguar — Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe — um dos nomes centrais do humor gráfico e da sátira política no Brasil. A morte, por pneumonia, foi confirmada por sua viúva, Celia Regina Pierantoni, neste domingo, 24 de agosto de 2025. Ele estava internado na capital fluminense.

Nascido em 29 de fevereiro de 1932, um ano bissexto, no Rio, Jaguar cresceu com o humor sempre à flor da pele e uma saúde frágil na infância. Por recomendação médica, a família deixou a cidade quando ele tinha 3 anos por causa da asma. Passou por Juiz de Fora e, depois, por Santos, onde concluiu os estudos básicos e o ensino médio. Na adolescência, por volta dos 15 anos, voltou ao Rio, onde fincou raízes e iniciou a vida adulta.

Antes de viver do traço, trabalhou no Banco do Brasil, como o pai. O desenho, porém, falou mais alto. No começo dos anos 1950, publicou a primeira charge na coluna de humor Penúltima Hora, do jornal Última Hora. O passo seguinte veio em 1958, quando passou a colaborar com a seção de humor da revista Manchete. Foi ali que ganhou o apelido que virou assinatura: "Jaguar", sugestão do colega Borjalo, que também faria história na TV.

Com traço nervoso, economia de linhas e ironia certeira, Jaguar virou referência rápida. Ele ia direto ao ponto: desenhava ideias mais do que figuras. Fazia rir e pensar na mesma tacada. No fim dos anos 1960, essa veia encontrou seu palco mais barulhento.

O Pasquim e a geração que reinventou o humor

O Pasquim e a geração que reinventou o humor

Em 1969, em plena ditadura militar, Jaguar ajudou a fundar O Pasquim, semanário que quebrou o tom grave da época com um humor que não pedia licença. A redação virou ponto de encontro de jornalistas, cartunistas e escritores, e o jornal disparou em popularidade com entrevistas longas, tiradas impagáveis e charges que enfrentavam a censura. Em várias edições, a resposta ao corte oficial vinha em forma de silêncio gráfico, lacunas e metáforas visuais — dribles criativos que o público entendia na hora.

O Pasquim teve tiragens que chegaram a centenas de milhares de exemplares e virou símbolo de uma imprensa alternativa que falava a língua da rua. Em meio ao endurecimento do regime, parte da equipe chegou a ser presa, e a publicação sofreu apreensões. Ainda assim, seguiu em frente, acumulando histórias e formando leitores que descobriram, com humor, um outro jeito de discutir política e costumes.

Entre as criações marcantes de Jaguar está o "ratinho Sig", um personagem minimalista e sarcástico que virou um emblema do jornal. O rato comentava, com aparente inocência, o absurdo do noticiário. Era o tipo de síntese que ele dominava: uma figura miúda, uma frase curta, um mundo inteiro dito ali.

Fora das redações, Jaguar também ajudou a fundar, em 1965, a Banda de Ipanema. O bloco nasceu de uma turma de jornalistas, ilustradores e artistas e virou tradição do carnaval carioca, atravessando décadas sem perder o espírito de rua, diversidade e provocação. Era a cara do criador: anárquico, aberto, urbano.

Boêmio confesso, ele transformou a própria persona num personagem. Circulou por Lapa, Copacabana e Leblon, sempre com o humor afiado. Em entrevistas, fazia piada de si mesmo — a começar pela famosa história de que teria tomado 50 latas de cerveja num único dia. O exagero, claro, também era parte da graça.

Mesmo veterano, Jaguar seguiu atento ao país. Continuou desenhando, comentando a política e influenciando gerações que aprenderam com ele a não subestimar a inteligência do leitor. Seu humor não pedia aplauso: pedia cumplicidade.

O impacto do adeus apareceu nas homenagens de colegas. Chico Caruso, que o visitou pouco antes da morte, disse que perde "o melhor cartunista brasileiro" e chamou a ausência de "irreparável para o nosso humor". Renato Aroeira definiu o amigo como "mestre, professor, inspiração, gênio" e lembrou que ele "trabalhou até o último minuto, crítico e amado por gerações". Miguel Paiva destacou o talento e a graça permanentes, a inventividade que o separava do restante da turma.

O legado de Jaguar mora em páginas amareladas e na cabeça de quem descobriu, com O Pasquim, que humor é ferramenta cívica. Em cursos de comunicação, suas charges e as soluções gráficas do semanário seguem como estudo de caso de como enfrentar censuras — explícitas ou disfarçadas — com inteligência, design e timing. Ao fim, seu método é simples e difícil: cortar o supérfluo para que a ideia brilhe.

Uma linha do tempo ajuda a resumir a trajetória:

  • 1932 — Nasce no Rio de Janeiro, em 29 de fevereiro, ano bissexto.
  • Infância e juventude — Moradia em Juiz de Fora e Santos por questões de saúde; retorno ao Rio na adolescência.
  • Anos 1950 — Primeiras charges publicadas na coluna Penúltima Hora, do jornal Última Hora.
  • 1958 — Início da colaboração com a revista Manchete; consolidação da assinatura “Jaguar”.
  • 1965 — Fundação da Banda de Ipanema, que se tornaria um clássico do carnaval de rua.
  • 1969 — Cofundação de O Pasquim, ícone da resistência cultural durante a ditadura.

A notícia da morte fecha um ciclo, mas não apaga o traço. As imagens de Jaguar continuam circulando, ganhando novos leitores e, sobretudo, lembrando que nenhum regime, por mais duro, dá conta de calar a mistura de humor e crítica quando essa mistura nasce da rua. Ele desenhava rápido porque pensava rápido. E ensinou muita gente a olhar o país com a mesma urgência.

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