Quando Vinicius Betini, advogado especializado em mercado de capitais subiu ao "palco" virtual da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a comunidade acadêmica e profissionais do setor perceberam que o tema não era papo de corredor.
Na noite de 24 de junho de 2025, às 19h, a palestra "Insider Trading: um estudo da regulação brasileira e americana"Pelotas foi transmitida ao vivo pelo canal do Centro de Ciências Sociais e Organizacionais (CCSO) no YouTube, e o convite foi aberto a estudantes, profissionais de finanças e qualquer pessoa curiosa sobre o assunto.
Nos últimos anos, casos de uso indevido de informação privilegiada dispararam em bolsas ao redor do mundo, abalando a confiança dos investidores. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem reforçado a fiscalização, enquanto nos Estados Unidos a Suprema Corte tem decidido sobre limites constitucionais de acesso a informações. Essa disputa jurídica cria um mosaico regulatório que poucos entendem em profundidade.
A UFPel, através do projeto COMEX TALK, tem buscado levar esse tipo de discussão para dentro das salas (e das casas) dos alunos. O esforço surge depois de uma série de escândalos envolvendo empresas listadas na B3, que deixaram o público com a sensação de que o mercado não é tão transparente quanto parece.
Betini iniciou a apresentação revisitando a definição de insider trading: a negociação de valores mobiliários com base em informações ainda não divulgadas ao público. Ele comparou o modelo de regulação da CVM – que se baseia em princípios de prevenção e punição administrativa – com o entendimento da Suprema Corte dos EUA, que equilibra a liberdade de expressão e o direito ao sigilo de informações corporativas.
Um ponto que surpreendeu a plateia foi a dificuldade de provar a "insider trading" de secundários – aqueles que recebem a informação indiretamente. Betini explicou que a doutrina jurídica brasileira costuma focar nos agentes primários porque a construção de prova para insiders secundários demanda evidências circunstanciais complexas.
Formado em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre em Justiça Administrativa pela mesma instituição, Betini já passou pelos corredores da CVM, trabalhou na Caixa Econômica Federal e atuou em escritórios de advocacia de ponta nas áreas de Arbitragem Internacional, Mercado de Capitais e Direito Marítimo.
Além de artigos publicados sobre Arbitragem Transnacional e Governança Corporativa, ele costuma lecionar disciplinas de extensão em Arbitragem e Comércio Internacional na UFF, o que dá a ele uma visão prática que costuma faltar nas análises puramente teóricas.
Mais de 350 inscrições foram confirmadas via Even3, e a transmissão ao vivo contou com picos de 1.200 visualizações simultâneas. Ao final, os participantes receberam certificados de duas horas, válidos para atividades complementares em cursos de graduação e pós-graduação.
Os comentários no chat do YouTube mostraram preocupação com a efetividade das sanções no Brasil e curiosidade sobre como a regulamentação de criptomoedas se encaixa no mesmo cenário de confiança que os papéis societários. Um estudante de Engenharia da UFPel perguntou se o mesmo conceito de insider trading se aplica a tokens não-fungíveis (NFTs). Betini respondeu que, embora o arcabouço ainda esteja em construção, o princípio de “uso de informação privilegiada” já pode ser transposto.
De acordo com a consultoria de compliance Regulart, a falta de clareza sobre evidências indiretas pode reduzir até 30% das investigações bem-sucedidas contra insiders secundários. A palestra, segundo o professor de Direito Financeiro da UFRGS, Dr. Carlos Henrique Lemos, reforça a necessidade de treinamento contínuo para profissionais de compliance, pois "a confiança do investidor depende de quem fiscaliza, e quem fiscaliza precisa entender a complexidade das provas".
Outro ponto levantado foi a influência das novas tecnologias de Big Data na detecção de padrões suspeitos. Betini citou casos onde algoritmos identificaram movimentos de compra e venda pouco antes da divulgação de resultados trimestrais, oferecendo às autoridades uma ferramenta adicional de investigação.
O COMEX TALK promete continuar a série de palestras com temas como "FinTechs e regulação de pagamentos" e "Desafios da governança em empresas de energia renovável". A UFPel também planeja abrir o acesso às gravações de todas as sessões, criando um repositório de conhecimento que pode ser usado como material de apoio em cursos de Direito e Administração.
Para quem perdeu a transmissão ao vivo, a gravação completa (1h33) está disponível no canal CCSO-UFPEL desde 25 de junho de 2025. O vídeo já ultrapassou 4.800 visualizações, indicando que o tema continua quente.
A CVM segue um modelo administrativo, focado em sanções pecuniárias e suspensões, enquanto a SEC dos EUA combina penas civis, multas milionárias e, em casos graves, prisão. A diferença principal está na severidade das multas e na possibilidade de processos criminais nos EUA.
Um insider secundário é quem recebe informação privilegiada de forma indireta – por exemplo, um consultor ou um familiar do insider primário. A prova costuma depender de evidências circunstanciais, o que torna o caso mais complexo.
Quando investidores percebem que há informação privilegiada circulando, a confiança no mercado cai. Estudos apontam que isso pode reduzir o volume de negociações em até 12% nos primeiros três meses após um escândalo.
Sim. Betini explicou que, embora a regulação ainda esteja em desenvolvimento, o princípio de usar informação não divulgada para obter vantagem se aplica a tokens e ativos digitais, especialmente em exchanges que ainda não têm supervisão robusta.
Os participantes que se registraram previamente e assistiram à transmissão ao vivo receberam um e‑mail com o link para gerar o certificado, com carga horária de duas horas, válido para atividades complementares.
Adorei a forma como o Vinicius Betini destacou a disparidade entre a CVM e a SEC, sobretudo ao enfatizar que a prova de informação privilegiada pode ser tão elusiva quanto um fantasma nas sombras do mercado. Ao analisar as multas brasileiras, ele trouxe à tona a necessidade de sanções que realmente dissuadam os infratores, o que me fez refletir sobre a eficácia das atuais políticas regulatórias. A analogia entre a liberdade de expressão nos EUA e a proteção ao investidor no Brasil foi particularmente inspiradora, pois evidencia o delicado equilíbrio entre direitos fundamentais e segurança econômica. Além disso, a menção ao uso de Big Data para detectar padrões suspeitos abre um leque de possibilidades tecnológicas que ainda precisam ser institucionalmente reconhecidas. Em suma, a palestra foi um convite ao debate profundo, reforçando a importância de continuarmos estudando esses mecanismos sob a ótica jurídica e econômica.
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